Água e Monocultura do Eucalipto
Origem e a Mudança para Córrego dos Soares
Meu nome é Luana, nasci e cresci na zona rural, porém não sou desta região. Eu morava com minha família em uma comunidade chamada Grota Grande, localizada próxima a Água Boa. Em determinado momento da nossa vida, resolvemos mudar de localidade, principalmente porque o local onde morávamos era uma comunidade com muita área de chapada, e os moradores começaram a fazer o desmatamento destas áreas. Com este desmatamento, percebemos que começou o processo de erosão do solo, o que também impactou muito a água. Morar em uma comunidade que não tem o básico como a água, infelizmente, não é um local bom para a sobrevivência, principalmente para quem trabalha com agricultura familiar, como meus pais.
Foi então que procuramos outro local para residir e acabamos encontrando a comunidade do Córrego dos Soares, onde na época havia muita fartura de água. A propriedade que compramos inclusive tinha duas nascentes. Quando mudei para o Córrego dos Soares, eu tinha 9 anos de idade. A propriedade já tinha monocultura de eucalipto, e meu pai ampliou esta área. Esta monocultura acabou invadindo o limite da nascente e, com isso, observamos que a quantidade de água foi diminuindo, chegando a um ponto em que meu pai teve que perfurar um poço semi-artesiano para abastecer a nossa casa. No primeiro poço, a água não era boa; era uma água que tinha muita pedra e gosto de ferrugem. Nós só obtivemos sucesso após a perfuração do terceiro poço.
Formação e Despertar Crítico
Eu moro na comunidade do Córrego dos Soares desde os meus 9 anos de idade. Estudei o quarto ano na própria escola da comunidade, que tinha muitos moradores e um quantitativo bom de alunos. Após terminar o quarto ano, vim para o distrito de Chapadinha, onde estudei até concluir o terceiro ano do ensino médio. Logo em seguida, conheci a Licenciatura em Educação do Campo através da diretora da escola, Evanilde Cordeiro de Araújo. Foi aí que ingressei em 2017 na turma de Ciências da Vida e da Natureza.
Quando cheguei no Lecampo (Licenciatura em Educação do Campo), eu não tinha noção dos impactos das ações antrópicas sobre a natureza. Foi lá que comecei a compreender como nossas ações poderiam afetar tanto a nossa comunidade e comecei a ter um olhar mais crítico e reflexivo sobre a monocultura do eucalipto. Quando cheguei na comunidade, já tinha um pouco de eucalipto, porém, com o passar dos anos, foi expandindo, e esta expansão foi causando a diminuição das águas, inclusive na nossa propriedade.
A partir deste momento de reflexão, acabei convencendo o meu pai a cortar o nosso eucalipto e investir no café e também na produção de verduras e frutas. Meu pai fez também o processo de renovação da nascente, recuperando-a. Hoje, atualmente, a gente tem a nascente ativa que abastece a nossa casa sem precisar do poço semi-artesiano. Tudo isso surgiu principalmente a partir da Licenciatura em Educação do Campo, que faz uma discussão muito forte sobre o uso responsável dos recursos naturais e sobre os impactos das atividades relacionadas à monocultura do eucalipto.
Impactos Socioeconômicos na Comunidade
Na minha comunidade, observei que a produção de alimentos vem diminuindo muito, principalmente porque as pessoas investem mais em atividades que não geram tanta mão de obra. O eucalipto você planta, tem um certo trabalho nos próximos dois anos, e depois ele cresce sozinho, não necessitando de tanta mão de obra. Então, o eucalipto foi se expandindo de uma forma que diminuiu o emprego dentro da própria comunidade. Podemos observar que hoje há uma movimentação dos jovens de dentro da comunidade para trabalhar em madeireiras e também em outros municípios, como por exemplo Nova Serrana. Observamos que houve uma diminuição de moradores, levando inclusive ao fechamento da escola municipal que havia na comunidade, e a água também foi outro ponto que veio diminuindo.
Desafios com a Água na Escola
Já vivenciei, enquanto professora, alguns desafios em relação à escassez de água no distrito de Chapadinha. E embora tenha pouco tempo como diretora, também já vivenciei situações envolvendo a falta de água na escola. Aqui, nossa escola é abastecida pela água da Copanor, porém é muito comum faltar água no distrito, geralmente não para todo o distrito, e sim para esta parte baixa que está distante da caixa central. É muito recorrente a escassez de água, e quando falta, a escola não funciona bem. Nós precisamos de água para lavar os banheiros, a escola, preparar a merenda. Este período de seca acaba chegando muito pouca água na caixa, e é uma água com pouca pressão. Quando falta água, recorremos aos vizinhos, principalmente a quem tem um sítio ou uma nascente. Arrumamos voluntários para ir com carros buscar baldes e tambores de água. Também fazemos campanha para que os alunos tragam garrafinhas de água de casa para consumo próprio. A escola não pode parar, mas acaba não sendo o melhor funcionamento que gostaríamos de ofertar.
Análise Crítica do Eucalipto
Aqui em Chapadinha, já fizemos um trabalho através do PIBID onde levamos os alunos em uma nascente. Observamos que a vazão era muito baixa e esta nascente estava cercada pela monocultura do eucalipto. De acordo com os relatos dos moradores, antes ela era a principal nascente da comunidade, porém com o tempo foi diminuindo a vazão, não só ela, mas também outras, e com isso a comunidade passou a ficar mais dependente do abastecimento da Copanor.
Eu costumo dizer que o eucalipto não é o grande vilão; os grandes vilões são as próprias pessoas que não fazem o seu cultivo de forma adequada. O eucalipto é uma árvore exótica, da Austrália, então o solo e o clima de lá são totalmente diferentes da nossa realidade aqui do Brasil. Quando o eucalipto vem para a nossa região de Cerrado, ele encontra plantas que têm uma casca e folhas mais grossas para armazenar água no período de seca. O eucalipto não tem essa estrutura, então ele vai sugar a água durante todo o ano. O consumo médio do eucalipto para crescer é maior que o das árvores nativas. Além disso, as folhas do eucalipto liberam uma substância alopática que espanta animais e outros tipos de plantas. Podemos observar isso quando olhamos um local onde tem eucalipto plantado: geralmente não vemos outros tipos de plantas e animais.
Em relação à economia, o eucalipto gera um retorno positivo, gera empregos principalmente em madeireiras. Mas se pensarmos, a agricultura gera renda mensal, já o eucalipto é em torno de 7 em 7 anos. Dependendo da família, ela não vai poder esperar 7 anos. A agricultura é algo mensal.
Sentimentos e Soluções Propostas
Em mim desperta um sentimento de revolta por ver que o problema existe e não há nenhum auxílio do poder público nem político da região para ajudar, pois muitas pessoas estão aderindo à monocultura do eucalipto pelo fato de não conhecerem realmente os impactos que ele causa. Acredito que falta uma atuação social, política, educacional, para conscientizar as pessoas. A agricultura, para que seja eficiente, ela precisa de um acompanhamento técnico, e como não existe este tipo de auxílio, elas acabam indo para o mais fácil. É um sentimento de revolta principalmente pela ausência do poder público.
Acredito que a conscientização deve começar pela escola. O poder público, através da Secretaria Municipal de Agricultura e da Emater, poderia realizar trabalhos juntamente com as associações para a recuperação destas nascentes. O projeto “Cartografia das Águas de Chapadinha” já fez o mapeamento. A prefeitura poderia se basear nas nascentes mapeadas e realizar um trabalho de recuperação, porém não adianta recuperar e não monitorar. Também deveriam realizar campanhas de conscientização, acompanhamento da Emater na produção, trazendo outras formas como a agroecologia e a agrofloresta. A própria comunidade deveria cobrar mais dos nossos prefeitos e vereadores um olhar mais cuidadoso, como no nosso caso com a falta de água e o esgoto a céu aberto em frente à escola, que possivelmente pode contaminar uma nascente.
Visão para o Futuro e Educação Ambiental
Olhando o projeto “Cartografia Águas de Chapadinha”, algo que me chamou muito a atenção foi o mapeamento. Acredito que através deste mapeamento a própria escola, através dos professores de geografia e biologia, poderia realizar trabalhos diretamente nas nascentes. No caso de nascentes mapeadas onde existiam e não existem mais, poderia ser realizado um trabalho com os alunos para tentar identificar o que aconteceu. Com as nascentes que ainda existem, poderia ser realizado um trabalho visando métodos de como elas podem ser preservadas.
Quando penso no avanço da monocultura do eucalipto, não só em Chapadinha, mas em Capelinha como um todo, a minha preocupação é principalmente com o futuro das escolas. Com o avanço, podemos perceber que o número de habitantes vem diminuindo. Uma das preocupações é que haja a redução muito grande de moradores, levando à redução de alunos e ocasionando o fechamento das escolas localizadas no campo. Outra preocupação é o uso do agrotóxico, que vem crescendo e pode impactar as famílias, estando relacionado ao aumento do número de casos de câncer na nossa região. O cenário ideal seria onde a monocultura pode sim existir, porém em uma escala menor, em conciliação com outros tipos de produção como agrofloresta e agroecologia.
A educação ambiental, nos últimos três anos com os itinerários formativos, contém conteúdos da área da ciência e da natureza com enfoque na questão ambiental. Em 2024, desenvolvemos um projeto chamado “Projeto Utopia”, onde trabalhamos com os alunos a “Chapadinha que temos” e a “Chapadinha que queremos”. Fizemos uma maquete e uma carta manifesto denunciando os problemas. Este ano de 2025, nós temos uma disciplina chamada “Educa Ambientalismo”, que trabalha o meio ambiente através das redes sociais com os alunos.
Resumo do TCC
No meu TCC, o objetivo era identificar os impactos da monocultura do eucalipto nas relações de trabalho, renda e desenvolvimento das comunidades. O trabalho buscou compreender como a expansão do eucalipto afetou a disponibilidade de água, o uso do solo e a dinâmica social local, destacando a importância de políticas públicas e ações comunitárias para reverter os impactos negativos da monocultura.
A pesquisa também enfatizou a necessidade de educação ambiental e conscientização sobre práticas agrícolas sustentáveis, mostrando que, embora o eucalipto gere lucro econômico, ele pode comprometer a qualidade de vida e a sustentabilidade da comunidade se não for manejado de forma responsável.
Luana finaliza reforçando a importância do envolvimento comunitário, da presença do poder público e de projetos educativos que promovam a preservação dos recursos hídricos e do meio ambiente: “É fundamental que a comunidade, junto com os órgãos públicos, desenvolva ações de recuperação e preservação das nascentes, garantindo água de qualidade e sustentabilidade para as futuras gerações.”